Uma nova elite jornalística
Esta elite denota uma inesperada
polivalência mediática que lhe permite ocupar o cargo tanto na imprensa como na
rádio, na TV ou no online, assim como uma suspeita
1. Uma das características que
melhor definem a actual situação da nossa comunicação social, desde logo a
imprensa, é a sua transversal uniformidade, gerando a convicção de que é quase
indiferente ler este ou aquele jornal, ver este ou aquele telejornal. Os temas
e as abordagens poderão não ser os mesmos (geralmente até são), mas estamos
longe do que seria se tivéssemos – e isso aconteceu, em democracia, até ao fim
dos nos 80 – órgãos de informação com visões e interpretações próprias e
diferenciadas daquilo que se passa no país e no mundo.
A homogeneidade de conteúdos,
independentemente do tipo e da dose de sensacionalismo a que se recorre,
encaixa na identidade de interesses dos grupos económicos proprietários,
assentes no crescimento das tiragens que leva ao aumento da publicidade e dos
lucros, e no poder de influência dos media nos meandros da política, dos
negócios – e, naturalmente, na opinião pública.
«Surge assim um novo tipo de elite
jornalística (...) que se destaca pelos seus contactos nos meandros da política
(de direita) e dos negócios e pela sua disponibilidade para adaptar a agenda
jornalística aos interesses dos patrões e dos gestores»
Esta situação implica da parte dos
responsáveis editoriais que a isso se disponham não uma organização do trabalho
jornalístico atenta aos leitores, ouvintes e telespectadores na perspectiva da
sua valorização integral (informativa, cultural, humanística, cívica…), mas sim
orientada para o cumprimento dos objectivos empresariais – que, na comunicação
social, também são sempre político-ideológicos, principalmente quando
publicamente o negam. Recorrem não aos saberes jornalísticos, mas sim a
competências gestionárias acima de tudo atenta às estratégias
jornalístico-comerciais.
2. Surge assim um novo tipo de elite
jornalística (tradicionalmente composta pelos profissionais que ocupam os
lugares de maior responsabilidade dentro da sala de redacção – directores e
outros responsáveis editoriais) que se destaca pelos seus contactos nos
meandros da política (de direita) e dos negócios, e pela sua disponibilidade
para adaptar a agenda jornalística aos interesses dos patrões e dos gestores. O
objectivo é o da notícia que vende bem (e o lucro até pode ser, mal ou bem
disfarçado, essencialmente político-ideológico…), desprezando a clássica
concepção do jornalismo enquanto bem social.
Em geral, esta elite denota duas
características complementares que se revelam altamente compensadoras: uma
inesperada e suspeita polivalência mediática, que lhe permite ocupar o cargo
tanto na imprensa como na rádio, na TV ou no online, em órgãos generalistas
ou especializados, de desporto ou de economia, diários ou semanários, populares
ou ditos de referência; e uma não menos inesperada e suspeita competência para
ser comentadora de política em qualquer canal de grande audiência, onde, aliás,
manifesta uma amena divergência nos cenários e uma indisfarçável convergência
nas convicções.
Tudo isto num deplorável e
cuidadosamente escondido contexto: o crescente povoamento das redacções por
jovens precários e por estagiários rotativos, que acrescentam a sua fragilidade
laboral à dos mais antigos há muitos anos sem aumentos, obrigados a horas
extraordinárias não pagas ou ameaçados pelo despedimento – por «mútuo acordo»,
se possível…
«O mais (...) esclarecedor sobre o
terreno da batalha em curso [é] a crescente relação estrutural de
interdependência entre o sistema mediático e a sociedade capitalista.»
3. É neste quadro que não se podem
considerar surpreendentes as mudanças recentes de directores nas últimas
semanas noticiadas na imprensa. Dois exemplos: o novo membro da direcção de
informação da RTP era director do Diário de Notícias, depois de
um percurso feito no Diário Económico, Sábado, Correio da
Manhã, Focus e Record; o novo director do Público, que
era director da TSF, foi um dos fundadores do Observador, com
passagens pelo Jornal de Notícias, Sol, TSF e Diário
Económico, tendo também sido assessor de Durão Barroso.
Omitimos os nomes deliberadamente –
a omissão é simbólica, porque são públicos – para enfatizar que mau seria se
sobrevalorizássemos a importância dos indivíduos e dos seus currículos,
esquecendo o mais significativo e simultaneamente mais esclarecedor sobre o
terreno da batalha em curso: a crescente relação estrutural de interdependência
entre o sistema mediático e a sociedade capitalista.
Nota final: lamenta-se ver o Serviço
Público, através do caso citado, metido nestas andanças.
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